As enchentes no Brasil: um problema social e não de ordem urbana.

Mais uma vez a natureza dá sinais de que as coisas não andam bem no nosso planeta. Terminado o período de chuvas do sudeste brasileiro, o Rio de Janeiro foi afetado pelo maior temporal dos últimos 30 anos deixando mais de 150 mortos, muitos ainda desaparecidos e milhares desabrigados. Aqui na França, as notícias que chegam pela internet e pela mídia local assustam a todos.

O que a gente pode ver é que a tragédia foi realmente grande e atinge a toda a população. Alguns perderam a vida, outros perderam pessoas queridas, muitos perderam suas casas, outros perderam um dia de trabalho. Para o comércio e a indústria, o fenômeno se resume em prejuízos financeiros e para outros se resume em caos no trânsito.

As palavras mais escutada em meio à tamanha catástrofe são: “Ordem Urbana”. É incrível como autoridades e, o que mais me surpreende, uma grande parte da população, atribuem a morte e a dor de tantas pesssoas a um “problema geográfico” ou de “irregularidades de construção”. Sabe? Esse é um problema social e, enquanto não for visto dessa maneira, não terá solução.

Alguns políticos querem “aproveitar a oportunidade” para dar andamento a sua agenda eleitoral de “ordem urbana”. Querem “limpar” a cidade e aproveitam para culpar as próprias vítimas pelo desastre que sofreram. Aproveitam para desocupar áreas que, muitas vezes não são de risco, mas de interesse político.

“Remover” pessoas para uma “área segura”, não significa, necessariamente, dar-lhes seguranças. Ser obrigado a deixar o lugar onde uma pessoa construiu uma história para ir para outro que ela não escolheu, em uma situação de total instabilidade, como essa catástrofe, onde certamente ela não terá acesso as mesmas coisas que ela tinha antes, inclusive ao trabalho e a escola, gera uma sensação muito mais de insegurança do que de segurança. “Remover” é quando uma pessoa atua sobre um objeto, definindo quando tirá-lo de onde está e para onde o levará. E, enquanto as pessoas mais pobres forem tratadas como objetos, não tendo nenhum tipo de participação nas decisões sobre a sua própria vida, o resultado de uma política pública nunca poderá ser positivo. Vejam a diferença entre a relação do poder público com donos de mansões atingidas nas áreas nobres e dos barracos nos Prazeres. Catástrofes acontecem no mundo todo a toda hora e muitas vezes, junto com elas, vêm os interesses políticos de “limpeza urbana”. Foi assim na França, no inverno da década de 50 e acontece até hoje, como mais recentemente em New Orleans e no Haiti.

Morar em um lugar vulnerável, não é tanto uma questão de escolha, mas de necessidade. E necessidade no sentido muito mais amplo de valores e meios de vida que são impostos pela sociedade. Uma sociedade formada não só pelas autoridades, nem só pela sociedade civil de um lugar ou outro, mas pelo conjunto de todos os seres humanos que habitam esse planeta. E todos somos responsáveis pelo o que acontece agora e o que poderá acontecer amanhã.

Mariana Guerra